terça-feira, 4 de novembro de 2008

Princípios e bases da Educação pela Comunicação

A metodologia se estrutura num corpo integrado por onze princípios fundamentais: integralidade, observação crítica e experimentação, qualidade, interatividade, inclusão, motivação, afetividade e cooperação, criatividade, protagonismo, intencionalidade, contextualização e sentido. Estas bases funcionam de forma transversal e interdependente.

* texto extraído do Guia de Educação pela Comunicação, em fase de redação e com lançamento previsto para 2009, pela CIPÒ Comunicação Interativa.

Horizontes da Educação pela Comunicação

A Educação pela Comunicação está fundamentada nos novos estudos da audiência, no sócio-construtivismo, na pedagogia crítica e nas novas maneiras de participação política e social.

É uma metodologia que:


* Enfatiza o aprender pelo fazer, através de processos e produtos: os processos de aprendizagem são dialógicos e os produtos são artefatos socialmente relevantes, que servem de mediadores na construção do conhecimento. Aprende-se fazendo/produzindo esses artefatos;

* Os papéis de educadores e educandos se transformam ao longo do processo, não estão pré-definidos, pré-fixados. As responsabilidades são compartilhadas durante todo o processo, mas não são simétricas (isto é, não são totalmente equivalentes). Educadores são “mais experientes” e, no início, criam as condições para que os educandos construam o conhecimento e, muitas vezes, orientam diretamente os educandos em ações conjuntas, mas os educadores também constroem novos conhecimentos e se desenvolvem no processo. Educandos são “novatos”, no início, mas podem tornar-se educadores mais adiante, multiplicando o processo em suas escolas e comunidades. Todos se transformam, participam e aprendem;

* A avaliação da aprendizagem ocorre ao longo de todo o processo e tem como finalidade ajudar/promover o desenvolvimento/aprendizagem do educando, dos educadores e da própria instituição. Os erros são incorporados ao processo de aprendizagem e servem para orientar ações futuras, tanto dos educandos, quanto dos educadores e da própria instituição. A principal avaliação é a que se dá no contexto das atividades de aprendizagem, no fazer cotidiano, no diálogo entre educadores e jovens;

A colaboração na construção do conhecimento gera “transformação da participação”, bem como a aquisição de habilidades e competências individuais. No decorrer do processo, os educandos participam, conquistam experiência e maturidade, assumem responsabilidades na condução das ações, na produção das peças/produtos/processos de comunicação e na disseminação dos mesmos.

* texto extraído do Guia de Educação pela Comunicação, em fase de redação e com lançamento previsto para 2009, pela CIPÒ Comunicação Interativa.

Como a educação pela comunicação promove a aprendizagem?

A Educação pela Comunicação rompe com a idéia de que a educação está a serviço e do lado do educador e não do educando. Esta proposta comunga das críticas fundamentadas pelo pensador Paulo Freire a chamada “educação bancária”. Aqui os educadores são responsáveis por preencher os educandos com conhecimento e informação, enquanto os alunos são meros receptores passivos. Já a perspectiva construtivista promove avanços ao considerar o educando como pólo ativo, sujeito que constrói o conhecimento e objetivo maior do processo educacional: é ele quem “aprende”. Esta jovem metodologia também bebe nos pensamentos de Piaget, que dá muita ênfase às ações realizadas no âmbito do sujeito, sobretudo processos cognitivos, intrínsecos de assimilação e acomodação do conhecimento.

Estas formas de pensar educação re-significam o papel do educador, que deve criar as condições necessárias para a aprendizagem. São facilitadores, são mediadores. De certa forma, esta postura ainda assim, pré-estabelece alguns papéis, na medida em quem aprende é o aluno e o professor é o facilitador. O que a Educação pela Comunicação propõe é algo a mais: os educadores e os alunos juntos no processo, todos constroem conhecimentos a partir da ação, a partir do fazer. Então, os educadores não estão apenas “criando as condições necessárias” ou “facilitando” a aprendizagem dos educandos. Eles estão aprendendo também, produzindo novos sentidos, co-criando, re-significando o que já sabiam, se reinventando, enfim.

A visão é de que existe uma comunidade de aprendizagem onde todos estão aprendendo e participando. Alguns assumem, em certos momentos, determinados papéis e os outros, assumem outros papéis. Mas estes papéis não são estanques. Tudo isso pode se inverter, porque todos estão colaborando, todos estão se desenvolvendo. Inicialmente, os educadores criar condições necessárias, mas nada impede dos educandos desenvolverem outras estruturas, o que confere a todos a possibilidade de transformarem seu entendimento, seus papéis e suas responsabilidades enquanto participam nesse processo.

Dentro da Educação pela Comunicação as hierarquias não são estanques. O aprendizado é horizontalizado, embora os papéis se modifiquem na medida em que a relação de educando e educador ganha maturidade, bem como o envolvimento com o processo de aprendizado. Nesta vivência educacional, ninguém detém o conhecimento acabado, nem educadores, nem educandos. O conhecimento não existe como um estado final pré-determinado, que os educadores já atingiram e onde os educandos têm que chegar. Não existe “instrução” no sentido tradicional, todos estão participando e se transformando à medida que participam das atividades/ações.

* texto extraído do Guia de Educação pela Comunicação, em fase de redação e com lançamento previsto para 2009, pela CIPÒ Comunicação Interativa.

Educação pela Comunicação: Nova Metodologia

Educandos com novos olhos para o mundo, compreendendo o contexto histórico em que está inserido e interagindo com ela de forma crítica. Esta é a essência da Educação pela Comunicação, metodologia que ainda não pode ser considerada uma pedagogia, pois ainda está consolidando seus conceitos e práticas, mas já pode ser entendida como uma nova perspectiva sobre o processo de ensino-aprendizagem, com a perspectiva de favorecer a construção de conhecimentos e o desenvolvimento de valores, atitudes e habilidades.

A Educação pela Comunicação envolve o educando na elaboração e disseminação de produtos comunicacionais com conteúdo sócio-educativo e contribui para que dêem sentido às informações que recebem. Ao final do processo, espera-se que os participantes tornem-se pessoas mais felizes, profissionais mais qualificados e cidadãos mais pró-ativos e empoderados.

Esta proposta está em consonância com várias iniciativas empreendidas em diferentes estados brasileiros e no mundo. Cada vez é mais freqüente encontrar produções realizadas por estudantes e educadores de peças de comunicação como jornais, programas de rádio, vídeos, sites na internet, fanzines (publicações baratas, fotocopiadas), histórias em quadrinhos, peças de teatro, arte, entre vários outros. Esta metodologia possui denominações distintas como "educomunicação”, “educação pela comunicação” ou “educação para comunicação”. Nos Estados Unidos surgiu nos últimos anos um termo que se aproxima muito dessa acepção: "media literacy", ou "alfabetização para a mídia".

O professor Ismar de Oliveira Soares, diretor do Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (NCE/ECA/USP)e o jornalista Fernando Rossetti, estudiosos do assunto, consideram que está surgindo um "novo campo discursivo", que reúne discursos de várias áreas já bem estabelecidas, como a Educação, a Comunicação e a Participação Social.

* texto extraído do Guia de Educação pela Comunicação, em fase de redação e com lançamento previsto para 2009, pela CIPÒ Comunicação Interativa.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O que é Educação Inclusiva ?

Profa. Dra. Leny Magalhães Mrech, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

1. Introdução

A chamada Educação Inclusiva teve início nos Estados Unidos através da Lei Pública 94.142, de 1975 e, atualmente, já se encontra na sua segunda década de implementação.

Há em todo Estados Unidos o estabelecimento de programas e projetos dedicados à Educação Inclusiva:

1) O departamento de Educação do Estado da Califórnia iniciou uma política de suporte às escolas inclusivas já implantadas;

2) O Vice- Presidente Al Gore criou uma Supervia de Informática direcionada à uma política de telecomunicações baseada na ampliação da rede de informações para todas as escolas, bibliotecas, hospitais e clínicas.
3) Há um cruzamento entre o movimento da Educação Inclusiva e a busca de uma escola de qualidade para todos;

4) Há propostas de modificações curriculares visando a implantação de programas mais adaptados às necessidades específicas das crianças portadoras de deficiência. Tendo sido dada uma ênfase especial no estabelecimento dos componentes de auto-determinação da criança portadora de deficiência. As equipes técnicas das escolas também sido trabalhadas para fornecer um atendimento mais adequado ao professor de classe comum;

5) Há o acompanhamento, através de estudos e pesquisas, a respeito dos sujeitos que passaram por um processo de educação inclusiva. Eles tem sido observados através da análise de sua rede de relações sociais, atividades de laser, formas de participação na comunidade, satisfação pessoal,etc. Um dos maiores estudos de follow-up é o da Universidade de Minnesota que apresenta um Estudo Nacional de Transição Longitudinal;

6) Também tem sido acompanhados os Serviços dos Programas de Educação que trabalham com a Educação Inclusiva;

7) Boa parte dos estados norteamericanos estão aplicando a Educação Inclusiva : Estado de New York, Estado de Massachussets, Estado de Minnesota, Estado de Daytona, Estado de Siracusa, Estado de West Virgínia, etc.

Fora dos Estados Unidos a situação também não é diferente. O mais conhecido centro de estudos a respeito de Educação Inclusiva é o CSIE( Centre for Studies on Inclusive Education ) da Comunidade Britânica, sediado em Bristol. É dele que tem partido os principais documentos a respeito da área da Educação Especial: 1. O CSIE - International Perspectives on Inclusion; 2. O Unesco Salamanca Statement(1994); o UN Convention on the Rights of the Child(1989); o UN Standard Rules on the Equalisation of Opportunities for Persons with Disabilities(1993).

Um dos documentos mais importantes atualmente é o Provision for Children with Special Educational Needs in the Asia Region que inclui os seguintes países: Bangladesh, Brunei, China, Hong Kong, Índia, Indonésia, Japão, Coréia, Malásia, Nepal, Paquistão, Filipinas, Singapura, Sri Lanka e Tailândia. Mas, há programas em todos os principais países do mundo: França, Inglaterra, Alemanha, México, Canadá, Itália, etc.

2. A Escola Inclusiva

Por EDUCAÇÃO INCLUSIVA SE ENTENDE O PROCESSO DE INCLUSÃO DOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS OU DE DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM NA REDE COMUM DE ENSINO EM TODOS OS SEUS GRAUS. 

Da pré-escola ao quarto grau. Através dela se privilegiam os projetos de escola, que apresenta as seguintes características:

1. Um direcionamento para a Comunidade - Na escola inclusiva o processo educativo é entendido como um processo social, onde todas as crianças portadoras de necessidades especiais e de distúrbios de aprendizagem têm o direito à escolarização o mais próximo possível do normal. O alvo a ser alcançado é a integração da criança portadora de deficiência na comunidade.

2. Vanguarda - Uma escola inclusiva é uma escola líder em relação às demais. Ela se apresenta como a vanguarda do processo educacional. O seu objetivo maior é fazer com que a escola atue através de todos os seus escalões para possibilitar a integração das crianças que dela fazem parte.

3. Altos Padrões - há em relação às escolas inclusivas altas expectativas de desempenho por parte de todas as crianças envolvidas. O objetivo é fazer com que as crianças atinjam o seu potencial máximo. O processo deverá ser dosado às necessidades de cada criança.

4. Colaboração e cooperação - há um privilegiamento das relações sociais entre todos os participantes da escola, tendo em vista a criação de uma rede de auto-ajuda.

5. Mudando papéis e responsabilidades - A escola inclusiva muda os papéis tradicionais dos professores e da equipe técnica da escola. Os professores tornam-se mais próximos dos alunos, na captação das suas maiores dificuldades. O suporte aos professores da classe comum é essencial, para o bom andamento do processo de ensino-aprendizagem.

6. Estabelecimento de uma infraestrutura de serviços - gradativamente a escola inclusiva irá criando uma rede de suporte para superação das suas maiores dificuldades. A escola inclusiva é uma escola integrada à sua comunidade.

7. Parceria com os pais - os pais são os parceiros essenciais no processo de inclusão da criança na escola.

8. Ambientes educacionais flexíveis - os ambientes educacionais tem que visar o processo de ensino-aprendizagem do aluno.

9. Estratégias baseadas em pesquisas - as modificações na escola deverão ser introduzidas a partir das discussões com a equipe técnica, os alunos , pais e professores.

10. Estabelecimento de novas formas de avaliação - os critérios de avaliação antigos deverão ser mudados para atender às necessidades dos alunos portadores de deficiência.

11. Acesso - o acesso físico à escola deverá ser facilitado aos indivíduos portadores de deficiência.

12. Continuidade no desenvolvimento profissional da equipe técnica - os participantes da escola inclusiva deverão procurar dar continuidade aos seus estudos, aprofundando-os.


3. O estabelecimento dos suportes técnicos

Deverão ser privilegiados os seguintes aspectos na montagem de uma política educacional de implantação da chamada escola inclusiva:

1. Desenvolvimento de políticas distritais de suporte às escolas inclusivas;

2. Assegurar que a equipe técnica que se dedica ao projeto tenha condições adequadas de trabalho.

3. Monitorar constantemente o projeto dando suporte técnico aos participantes, pessoal da escola e público em geral.

4. Assistir as escolas para a obtenção dos recursos necessários à implementação do projeto.

5. Aconselhar aos membros da equipe a desenvolver novos papéis para si mesmos e os demais profissionais no sentido de ampliar o escopo da educação inclusiva.

6. Auxiliar a criar novas formas de estruturar o processo de ensino-aprendizagem mais direcionado às necessidades dos alunos.

7. Oferecer oportunidades de desenvolvimento aos membros participantes do projeto através de grupos de estudos, cursos, etc.

8. Fornecer aos professores de classe comum informações apropriadas a respeito das dificuldades da criança, dos seus processos de aprendizagem, do seu desenvolvimento social e individual.

9. Fazer com que os professores entendam a necessidade de ir além dos limites que as crianças se colocam, no sentido de levá-las a alcançar o máximo da sua potencialidade.

10. Em escolas onde os profissionais tem atuado de forma irresponsável, propiciar formas mais adequadas de trabalho. Algumas delas podem levar à punição dos procedimentos injustos.

11. Propiciar aos professores novas alternativas no sentido de implementar formas mais adequadas de trabalho.

4.O conceito de Inclusão

A inclusão é :

- atender aos estudantes portadores de necessidades especiais na vizinhanças da sua residência.

- propiciar a ampliação do acesso destes alunos às classes comuns.

- propiciar aos professores da classe comum um suporte técnico.

- perceber que as crianças podem aprender juntas, embora tendo objetivos e processos diferentes

- levar os professores a estabelecer formas criativas de atuação com as crianças portadoras de deficiência

- propiciar um atendimento integrado ao professor de classe comum

5. O conceito de inclusão não é

- levar crianças às classes comuns sem o acompanhamento do professor especializado

- ignorar as necessidades específicas da criança

- fazer as crianças seguirem um processo único de desenvolvimento, ao mesmo tempo e para todas as idades

- extinguir o atendimento de educação especial antes do tempo

- esperar que os professores de classe regular ensinem as crianças portadoras de necessidades especiais sem um suporte técnico.

6. Diferenças entre o princípio da normalização e da inclusão

O princípio da normalização diz respeito a uma colocação seletiva do indivíduo portador de necessidade especial na classe comum. Neste caso, o professor de classe comum não recebe um suporte do professor da área de educação especial. Os estudantes do processo de normalização precisam demonstrar que são capazes de permanecer na classe comum.

O processo de inclusão se refere a um processo educacional que visa estender ao máximo a capacidade da criança portadora de deficiência na escola e na classe regular. Envolve fornecer o suporte de serviços da área de Educação Especial através dos seus profissionais. A inclusão é um processo constante que precisa ser continuamente revisto.

Texto publicado no site www.inclusao.com.br/index_.htm

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A diversidade humana na escola: reconhecimento, multiculturalismo e tolerância

Walter Praxedes

Ao tratar da diversidade humana na escola podemos ter como parâmetro a necessidade de reconhecimento que caracteriza os seres humanos.

Para interpretarmos quem somos como coletividade, ou quem sou como indivíduo, dependemos do reconhecimento que nos é dado pelos outros. “Ninguém pode edificar a sua própria identidade independentemente das identificações que os outros fazem dele”, nos ensina Habermas (1983: 22).

O reconhecimento pelos outros é uma necessidade humana, já que o ser humano é um ser que só existe através da vida social.

Como também nos ensina Charles Taylor (1994: 58), “um indivíduo ou um grupo de pessoas podem sofrer um verdadeiro dano, uma autêntica deformação se a gente ou a sociedade que os rodeiam lhes mostram como reflexo, uma imagem limitada, degradante, depreciada sobre ele.”

Um falso reconhecimento é uma forma de opressão. A imagem que construímos muitas vezes sobre os portadores de deficiências e grupos subalternos, pobres, negros, prostitutas, homossexuais, é deprimente e humilhante para estes e causa-lhes sofrimento e humilhação, ainda mais por que tais representações depreciativas são construídas quase sempre para a legitimação da exclusão social e política dos grupos discriminados.

Para que haja respeito à diversidade na escola é necessário que todos sejam reconhecidos como iguais em dignidade e em direito. Mas para não nos restringirmos a uma concepção liberal de reconhecimento, devemos também questionar os mecanismos sociais, como a propriedade, e os mecanismos políticos, como a concentração do poder, que hierarquizam os indivíduos diferentes em superiores e dominantes, e em inferiores e subalternos.

Em outras palavras, ao considerarmos que os seres humanos dependem do reconhecimento que lhes é dado, estamos reconhecendo que a identidade do ser humano não é inata ou pré-determinada, e isso nos torna mais críticos e reflexivos sobre a maneira como estamos contribuindo para a formação das identidades dos nossos alunos.

Como ainda nos ensina Taylor (1994: 58), “a projeção sobre o outro de uma imagem inferior ou humilhante pode deformar e oprimir até o ponto em que essa imagem seja internalizada”. E não “dar um reconhecimento igualitário a alguém pode ser uma forma de opressão”.

Porém, quando afirmamos que “todos os seres humanos são igualmente dignos de respeito” (Taylor, 1994: 65), isso não pode significar que devemos deixar de considerar as inúmeras formas de diferenciação que existem entre os indivíduos e grupos.

Devemos fornecer o apoio e os recursos necessários para que não haja assimetria, desigualdade nas oportunidades e no acesso aos recursos. De novo Taylor (1994: 64): “Para aqueles que têm desvantagens ou mais necessidades é necessário que sejam destinados maiores recursos ou direitos do que para os demais”.


Walter Praxedes é doutor em Educação pela Educação pela Universidade de São Paulo e graduado em Ciências Sociais na mesma instituição.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Brincar e trabalhar: Jogo e trabalho


por Heloysa Dantas

Brincar e jogar: dois termos distintos em português e fundidos nas línguas de cuja cultura somos devedores: o francês (jouer) e o inglês (play). Por causa disto, frequentemente desperdiçamos a diferenciação de ordem psicogenética que a nossa língua nos permite: brincar é anterior a jogar, conduta social que supõe regras. Brincar é forma mais livre e individual, que designa as formas mais primitivas de exercício funcional.

O termo “lúdico” abrange os dois: a atividade individual e livre e a coletiva e regrada. O que chama a atenção, quando pedimos a profissionais de educação infantil sinônimos para ele, é a tendência a oferecer “prazeroso” e nunca “livre”. “Ludicamente” é visto como prazerosamente, alegremente, e não “livremente”. Isto, que considero uma distorção de conseqüências infelizes, consiste em perceber o efeito e não a causa: o prazer é o resultado do caráter livre, gratuito, e pode associar-se a qualquer atividade; inversamente, a imposição pode retirar o prazer também a qualquer uma. Parece impossível definir substancialmente o que é brincar: a natureza do compromisso com que é realizada transforma-a sutilmente me trabalho.

Resulta daí um paradoxo que pode levar os próprios defensores da pedagogia do brinquedo a traírem seus próprios fins, quando o adulto se julga autorizado a impor atividades, por ele consideradas prazerosas. Os “convites” para participar de uma “brincadeira” são frequentemente mente convocações que não prevêem a recusa.

Parece pois necessário ao pensar a educação pelo jogo, refletir simultaneamente sobre a educação pelo trabalho, enfrentando o preconceito que entre nós, por graves razões sociais, separa as idéias de infância de trabalho.

Os fantasmas da exploração infantil e da conseqüente perda direito à educação escolar nos tem levado a deixar de lado as belas concepções de educadores como Freinet, Dewey, Makarenko, para os quais o trabalho, dentro do ambiente escolar, pode constituir-se em poderoso instrumento educativo.

Este esquecimento tem um efeito perverso: obrigada a absorver toda a tarefa da educação infantil, a pedagogia do jogo se vê ameaçada de perder o que tem de essencial, ameaçada por práticas utilitaristas e autoritárias. A oferta do prazer parece construir nova justificativa para a imposição adulta, caracterizando a nova face, insidiosa e disfarçada do autoritarismo.

É claro que substituir “prazer” por “liberdade” não facilita em nada a tarefa de definir o lúdico. Nos dicionários filosóficos, liberdade confina com “onipotência”, por uma lado, e com “consciência”, racionalidade, por outro, tornando inviável qualquer tentativa de entender a noção em sentido absoluto. Se modestamente nos contentarmos em emprega-la com o sentido de alguma possibilidade de escolha, teremos que nos referir a graus de liberdade que começam com a possibilidade de recusar o convite adulto, e se ampliam na medida em que se multiplicam as alternativas de atividade. Em sala vazia, uma criança pode exercer atividade livre; sua liberdade cresce na medida em que lhe são oferecidas possibilidades e ação, isto é, opções. Neste sentido, a liberdade da criança não implica na demissão do adulto: pelo contrário, expandi-la implica no aumento das ofertas adequadas às suas competências em cada momento do desenvolvimento. Povoar o espaço com jogos viáveis, passiveis de utilização autônoma, requer um alto grau de conhecimento psicogenético.

Não estou afirmando que nenhuma atividade deve ser imposta: o equilíbrio entre o livre e o imposto precisa ser encontrado. Apenas digo que a atividade imposta é trabalho, o que resulta simultaneamente em duas exigências: a de não descaracterizar, poluir mesmo, o clicam lúdico com insinceridade e a coação, e a de enfrentar a necessidade de incluir desde o início, a atividade instrumental e produtiva, ao lado da atividade lúdica, na educação. A dialética do jogo-trabalho é indispensável à saúde de ambas as práticas: pode resgatar a liberdade do jogo e o prazer do trabalho. Como sempre, as próprias crianças sinalizam isto ao adulto sensível: não é rara a experiência de, ao fabricar, com elas, o material para a realização de um jogo, vê-las mais interessadas na produção do que na sua utilização posterior.

Entre a atividade lúdica e a atividade produtiva parece haver continuidade. Examina-las em movimento evolutivo, é, pois, interessante. O recurso à psicogênese é um grande auxílio na compreensão dos fenômenos psíquicos: examinar sua origem e evolução esclarece também seu destino.

* extraído do livro Brincar e suas teorias, organizado por Tizuko Morchida Kishimoto, da Piorneira - Thomson Learning.
**ilustração de Vânia Medeiros.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Dez Direitos Naturais das Crianças

1. Direito ao ócio: Toda criança tem o direito de viver momentos de tempo não programado pelos adultos.

2. Direito a sujar-se: Toda criança tem o direito de brincar com a terra, a areia, a água, a lama, as pedras.

3. Direito aos sentidos: Toda criança tem o direito de sentir os gostos e os perfumes oferecidos pela natureza.

4. Direito ao diálogo: Toda criança tem o direito de falar sem ser interrompida, de ser levada a sério nas suas idéias, de ter explicações para suas dúvidas e de escutar uma fala mansa, sem gritos.

5. Direito ao uso das mãos: Toda criança tem o direito de pregar pregos, de cortar e raspar madeira, de lixar, colar, modelar o barro, amarrar barbantes e cordas, de acender o fogo.

6. Direito a um bom início: Toda criança tem o direito de comer alimentos sãos desde o nascimento, de beber água limpa e respirar ar puro.

7. Direito à rua: Toda criança tem o direito de brincar na rua e na praça e de andar livremente pelos caminhos, sem medo de ser atropelada por motoristas que pensam que as vias lhes pertencem.

8. Direito à natureza selvagem: Toda criança tem o direito de construir uma cabana nos bosques, de ter um arbusto onde se esconder e árvores nas quais subir.

9. Direito ao silêncio: Toda criança tem o direito de escutar o rumor do vento, o canto dos pássaros, o murmúrio das águas.

10. Direito à poesia: Toda criança tem o direito de ver o sol nascer e se pôr e de ver as estrelas e a lua.

“Todo o adulto tem o direito de ser criança” (Rubem Alves)

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

A Música e o Jogo no Jogo da Aprendizagem (1)

Lembro-me, ainda hoje, das músicas que eram cantadas no jardim de infância. Para cada atividade tinha uma musiquinha, o som e o ritmo da obediência eram ditados através da harmonia e da cadência imposta pelo olhar e pelo gesto da professora.

“Quem vai chegando vai ficando atrás, menino educado é assim que faz”. Assim, a fila era formada com um pegando no ombro do outro para não se perder e, acima de tudo, para a professora não perder a autoridade. Ninguém discutia nem sequer imaginava uma outra forma de se deslocar no espaço da escola. Já estava tudo determinado para garantir a “disciplina”. E quando a turma chegava era cantada a música do “BOM DIA” e todos tinham que se abraçar. Era uma festa! Uma festa organizada para celebrar a obediência. Até para lanchar cantavam-se três músicas: uma para lavar as mãos, uma para o lanche e, por fim, para arrumar a sacola.

Tinha música para saudar um visitante e para outras situações. Momentos criados pelos “educadores” para que, ao som da música, se estabelecesse um comportamento de ajuste a um modelo de sociedade que determina que as coisas devem ser como são ou estar como estão e, por isso mesmo, não cabe lugar à formação consciente de pessoas que possam modificá-las.

É comum ver-se nos curso de formação de professores e nos encontros pedagógicos uma preocupação exagerada no aprendizado de mais uma música, principalmente para datas comemorativas pois, desta forma, se comemora cantando sem ao menos questionar a validade de tal ato. Devido a isto, as músicas que são produzidas e cantadas na escola se afastam, cada vez mais, da realidade social, não permitindo à criança refletir sobre as atividades a serem feitas com e através do seu corpo.

A infância é um momento de constantes descobertas e conhecimentos do corpo, através dos movimentos. Segundo Diem (1980) “aprender é fruto da experiência. Cada progresso no aprendizado é pré-requisito para a aquisição de novas noções”. Portanto, se a ação pedagógica limita a troca de experiência em nome da disciplina, perde-se um universo de oportunidades de criação e descobertas.

Neste sentido, Levy (1985) reforça, ainda mais, essa necessidade de possibilitar descobertas quando refere-se aos primeiros anos de vida, denominando esta fase como de descobertas do corpo na exploração do espaço, de explosão motora e numa inspiração entusiasmada diz: “ninguém duvida de que o primeiro astronauta, ao por o pé na lua, tenha conhecido um momento de intensa alegria. Guardadas as devidas proporções, cada criança vive um momento semelhante quando conseguir se deslocar sem a ajuda de outra pessoa”.

A Música e o Jogo no Jogo da Aprendizagem (2)

infância é um momento de constantes descobertas e conhecimentos do corpo, através dos movimentos. Segundo Diem (1980) “aprender é fruto da experiência. Cada progresso no aprendizado é pré-requisito para a aquisição de novas noções”. Portanto, se a ação pedagógica limita a troca de experiência em nome da disciplina, perde-se um universo de oportunidades de criação e descobertas.

Neste sentido, Levy (1985) reforça, ainda mais, essa necessidade de possibilitar descobertas quando refere-se aos primeiros anos de vida, denominando esta fase como de descobertas do corpo na exploração do espaço, de explosão motora e numa inspiração entusiasmada diz: “ninguém duvida de que o primeiro astronauta, ao por o pé na lua, tenha conhecido um momento de intensa alegria. Guardadas as devidas proporções, cada criança vive um momento semelhante quando conseguir se deslocar sem a ajuda de outra pessoa”.

É através dos jogos e brincadeiras que a criança começa a descobrir o mundo, explorando e se relacionando, ela constrói e socializa o conhecimento, na troca de experiências com outras crianças,permitindo que tarefas e habilidades possam ser executadas de maneira independente, ou mesmo com a ajuda dos colegas caracterizando assim zonas de desenvolvimento proximal, a partir dessas atividades lúdicas. Tal afirmativa ganha reforço em Kishimoto (1984) quando afirma que: “Vygotsky (1988) deixa claro que, nos primeiros anos de vida, a brincadeira é atividade predominante e constitui fonte de desenvolvimento ao criar zonas de desenvolvimento proximal. Ao prover uma situação imaginativa, por meio da atividade livre, a criança desenvolve a iniciativa, expressa seus desejos e internaliza regras sociais”.

E o jogo na escola, de que forma está sendo realizado? Será que é permitido à criança modificá-lo ou também, como na música, a seguir padrões e regras pré-estabelecidas?

A criança que cria e recria no seu cotidiano junto com o grupo, ao entrar na escola começa a ver sua rotina totalmente alterada por um adulto que agora se apropria do seu jogo e começa a ditar regras, impondo uma nova maneira de se relacionar. Agora, nada mais é tão natural como antes, tem que seguir as regras de um jogo que se torna diferente daquele jogo de rua.

Mas que jogo é esse que se transforma da rua para a escola? Será que é o jogo que se transforma ou a maneira de jogar?

Neste sentido, Snyders (1988) afirma que: “há muitas alegrias que não têm necessidade do sistemático – há formas de cultura que são adquiridas fora da escola, fora de toda auto-formação metódica e teorizada, que não são o fruto do trabalho, do esforço, nem de nenhum plano: nascem da experiência direta da vida, nós a absorvemos sem perceber; vamos em direção a elas seguindo a inclinação da curiosidade e dos desejos ...”

Portanto, quando a escola se apropria do jogo não deve ser para ditar as regras, mas para fazer com que todos possam também se apropriar dessa cultura que foi construída no dia-a-dia e que, por certo, reproduziu as injustiças do cotidiano justamente por ter sido fruto deste ambiente que é retratado na atividade lúdica, e por isso, impregnado de relações advindas do senso comum e que deve ser repensado nas escolas sem violentar a naturalidade da sua criação.

É na hora do jogo que a criança está construindo o seu espaço e situando-se no tempo, momento em que se relaciona com pessoas e objetos, numa constante troca de experiências com as atividades, construindo conceitos no ato de brincar livremente. Por isso, cabe ao professor possibilitar situações que permitam a reflexão do movimento da criança em relação ao movimento das coisas que a rodeia e a compreensão das mesmas. Não basta mover-se no espaço no ritual de gestos prontos e pensados pela escola, que não retratam a realidade do mundo.

Se o canto é livre e o jogo também, por que trancá-lo em artifícios pedagógicos que encaixotam o ato de brincar?

extraído do artigo "A Música e o Jogo no Jogo da Aprendizagem", de Antonio Luiz Ferreira Bahia

A Música e o Jogo no Jogo da Aprendizagem (3)

A criança, quando brinca, vivencia todas as possibilidades de interagir com o outro e a escola precisa de um lugar de brincantes que crescem juntos e fazem do conteúdo uma grande festa, a festa do acesso ao conhecimento de forma prazerosa.

O professor, por sua vez, na condução de crianças que jogam deve observar e interferir de maneira mediadora com a participação dos componentes do grupo, para assim caracterizar o jogo como produção cultural da criança e, deste modo, não submetê-los aos caprichos de regras pré-determinadas que servem para cultivar a heteronímia[2]. Ao contrário, à educação cabe favorecer o desenvolvimento de sujeitos autônomos, o que está intimamente ligado a um ambiente questionador que permita a participação de todos, no entendimento de que as regras do jogo são resultados de decisões de quem está jogando e que o jogo tem inicio e é o meio que determina o seu fim. Para isso é preciso dar voz e voto para solucionar coletivamente os impasses apresentados pelo jogo.

Cabe aos educadores, neste momento, repensar o papel das músicas e dos jogos na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental e, principalmente, o papel da criança que sofre a ação das músicas e dos jogos no cotidiano escolar. Como se vê, a utilização da música e dos jogos na formação educacional está em questão, pois com o passar dos anos ainda se promove a domesticação da criança, determinando o comportamento sem uma ação crítica sobre o ato pedagógico. É assim no cotidiano da escola, bem como nas datas comemorativas. Esses momentos são de uma total ausência de senso critico, repetindo atos seculares que contribuem para reproduzir valores que reforçam a visão de um mundo sem mudanças. É preciso refletir.

Cantando, criando e recriando jogos antigos, mantém-se a alegria na escola e esta passará a ser sinônimo de conquistas do conhecimento, de acesso à produção cultural de um povo, para que não se cultivem alegres obedientes sem autonomia e sim, formadores de uma nova história, um novo tempo, com evolução cultural de seres pensantes e críticos.

Portanto, deixem que as crianças modifiquem e criem a partir do que for visto e ouvido, sem preocupação com coreografias ou modelos prontos. Que o jogo e a música possam prestar serviço às crianças e não as crianças estarem a serviço das músicas e dos jogos.

extraído do artigo "A Música e o Jogo da Aprendizagem", de Antônio Luiz Ferreira.

Significados do Brincar

1. Divertir-se infantilmente, entreter-se em jogos de crianças.
2. Divertir-se, recrear-se, entreter-se, distrair-se, folgar; "Em qualquer circunstância
está sempre bem humorado, brincando".
3. Agitar-se alegremente, foliar, saltar, pular, dançar.
4. Dizer ou fazer algo por brincadeira, zombar, gracejar.
5. Divertir-se.
6. Tremer, oscilar, agitar-se.
7. Gracejar, zombar, mexer.
8. Entreter-se, distrair-se, ocupar-se.
9. Tomar parte em folguedos carnavalescos.

Extraído do artigo "Significando o brincar: contribuições para uma reflexão junto aos portadores de necessidades especiais", de Priscila Augusta Lima - Faculdade de Educação - UFMG,
Doutoranda em Psicologia da Educação - USP

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Algumas considerações importantes

1. Um fator importante são as representações sociais da infância que continuam marcando o imaginário social, o senso comum e a opinião pública.

2. No entanto, igual relevância têm o contraste entre os discursos sobre participação e o contexto concreto e cotidiano de estruturas políticas e sociais, que não somente não a favorecem como também a desvirtuam. Em nossos países, as democracias constitucionais não assumem como tarefa central começar a construir a democracia das relações sociais em todos os níveis.

3. De um modo geral, os poderes somente toleram formas de participação decorativa, passiva, sem iniciativa própria, e que não afetem interesses, instituições nem estruturas do poder estabelecido.

4. A multiculturalidade se torna um fator crítico à ordem dominante no plano político e na ocupação social e cultural.Toda tentativa de nivelação ou padronização não somente fere um recurso de riquezas nacionais como também homogeneíza e empobrece a contribuição da participação própria dos agentes.

5. De um modo geral, a relação adulto-criança reproduz de forma simbólica e concreta a hierarquização das sociedades autoritárias, compulsivas e piramidais, fenômeno que se expressa no âmbito familiar, escolar, comunitário etc.

extraído do livro Participação das Crianças e Adolescentes como Protagonistas, produzido pela Save the Children Suécia

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

O papel do adulto na participação infantil

Faz parte do desenvolvimento das crianças expressarem-se e comunicarem-se sobre o universo que a cercam. Elas realizam este caminho usufruindo de nossa atenção ou não; esta expressão pode ocorrer sempre quando: olham o mundo, desenham, brincam, inclusive quando são desafiadas pela própria vida em sua sobrevivência.

Por isso, pensar no papel do adulto na participação infantil no meu ponto de vista é responder outras questões que antecedem a este item, tais quais: Queremos ouvir o que a criança tem a dizer? Por quê? Pra que? Como?

A participação infantil neste trabalho que pude realizar foi uma questão a priori valorizada pelo adulto responsável pela instituição, ou pelo grupo de crianças.

Foi o adulto que instituiu o espaço e o tempo oficial de escuta e fala infantil. Foi o adulto que demonstrou vontade em ouvir com seriedade a visão e a compreensão das crianças. Aqui já temos uma resposta: a vontade de ouvir as crianças é uma decisão do adulto.

Porque o mesmo tem uma compreensão de criança pensante e ativa que precisa aprender a colocar-se diante dos outros com suas questões. Para desenvolver gradativamente sua potencialidade dialógica e argumentativa e aprender a atuar com respeito e responsabilidade no mundo que lhe desperta interesse.

Para que este exercício tenha a função prioritária de promover o desenvolvimento do diálogo e do pensamento infantil, é necessário que o adulto demonstre seriedade, na escuta, nos esclarecimentos, nos encaminhamentos e problematizações vindas das relações infantis com o mundo.

A vida em sociedade e a participação são processos apreendidos e desenvolvidos pelas crianças nas interações que são estabelecidas por elas. Por isso, faz muita diferença a criança pensar sobre o mundo que vive, sozinha ou sob a tutela e cuidado dos adultos.

Porque em primeiro lugar quando reconhecemos a tutela do adulto sobre a criança, não nos esquivaremos de responsabilidades sobre seu aprendizado e desenvolvimento. Por exemplo:

Para desenvolvermos uma atitude participativa, precisamos desenvolver uma atitude generosa de escuta e respeito às diferenças. Esta base é aprendida, não nasce pronta, ela é resultado de um longo processo de interação e significação de valores (no caso a generosidade no diálogo). Quando a ciência da condição de sujeito tutelado da criança é uma premissa, temos simultaneamente a ciência de que é o adulto o seu tutor, portanto, caberá a ele esta arte de ensinar tal postura e valor.

Aqui no meu entendimento reside o desafio do adulto. O COMO. Como ser um tutor da criança sem que ela seja sufocada, aniquilada, mas protegida, potencializada em seu desenvolvimento? Como promover a participação infantil entendendo-a como um processo de aprendizagem?

É condição prioritária que conheçamos o processo de desenvolvimento infantil, para que possamos ter hipóteses dos interesses e vontades condizentes à necessidade da criança. Este conhecimento tão valioso poderá promover a justa medida no desempenho infantil. Garantindo que a criança tenha um diálogo com o mundo que a cerca de forma mais eqüitativa e no alcance de seus anseios.

Também precisamos desenvolver a confiança e o sentimento de pertencimento para um trabalho de aprendizagem de participação. Porque o exercício de expor-se é mais efetivo quando confiamos no grupo a que pertencemos. Para aprender a participar, esta é uma condição importante da qual o adulto é responsável em implantar.

Na relação com as crianças, este sentimento se inaugura de forma bastante prática e simples.

Como fazemos isso? Em primeiro lugar cabe ao adulto mostrar a seriedade com que ele se relaciona com o grupo de crianças. Uma vez estabelecida à rotina de encontro e trabalho, esta não pode ser alterada sem que haja o conhecimento prévio do grupo de crianças.

Ou caso seja marcado um encontro, este tem que acontecer. Se tiver que ser alterado deverá ser alterado antecipadamente em comum acordo com as crianças.

Por detrás deste sentimento de confiança e pertencimento está a autonomia. Porque ninguém é autônomo do nada. A autonomia é sempre uma conquista de relação. Torna-se autônomo em relação a algo ou a alguém. Neste caso, pertencer e confiar são alicerces da autonomia.

Se a criança pode contar com um adulto que lhe conhece em seu processo de desenvolvimento, que lhe propicia tarefas e desafios ao seu alcance e que lhe fortalece em seu desenvolvimento de pensamento, diálogo e argumentação e esta atitude não seja um evento, mas uma prática cotidiana, ela terá condições propícias para uma atuação participativa.

Texto de Rosana Padial, do Instituto Ambar

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Participação e protagonismo infantil


O conceito de protagonismo infantil envolve uma concepção distinta da infância e de sua participação como atores sociais. Reconhecer as crianças como atores sociais, tanto em suas próprias vidas como a escala social, exige que os reconheçamos como pessoas com direitos, indivíduos com critérios, capacidades e valores próprios, participantes de seu próprio processo de crescimento e desenvolvimento pessoal e social.

Considerar a participação principal de crianças e adolescentes, não só implica em que possam expressar livremente opiniões, pensamentos, sentimentos e necessidades. Além disso, estes pontos de vista expressados devem ser levados em conta e influir nas decisões; significa ser envolvidos democraticamente por suas famílias, escola, governos locais, mídia, organismos governamentais e não-governamentais.

“Por isso, o protagonismo, definitivamente, não é só uma proposta conceitual, senão que possui de modo inerente um caráter político, social, cultural, ético, espiritual, que, portanto, reclama uma pedagogia e convida a repropor o ‘status’ social da infância e do adulto, de seus papéis na sociedade local e no conceito dos povos” .

Em tal sentido, este conceito de protagonismo marca distâncias com posições nas quais a participação protagonista é entendida somente como uma presença decorativa ou individual das crianças e dos adolescentes.

O discurso sobre o protagonismo infantil tem início na América Latina, alimentando-se das fontes do protagonismo popular, que agrupa diversos coletivos, que lutam por uma melhoria em suas condições de vida. Alejandro Cussiánovich, que tem refletido e acompanhando experiências de participação protagonista infantil, considera que dignidade, iniciativa, poder, excelência, reconnhecimento e aceitação são conceitos associados ao exercício do protagonismo de crianças.

Protagonismo significa também assumir responsabilidades, contribuir e construir conjuntamente, em tal sentido o considera como ponto de união, de encontro, não compatível com nenhuma forma de separação ou dispersão. Implica interação e interrelação com o seu ambiente, com os outros. Não é um eu protagonista, é um nós; o protagonismo, como tal, tem que ser fecundo no desenvolvimento do protagonismo dos outros.

O paradigma do protagonismo se estende e desenvolve de tal forma, que sua influência pode ver-se plasmada nas próprias definições de crianças e adolescentes, que incorporaram este termo nas definições que vão construindo sobre a participação.

“Uma participação efetiva e protagonista é alcançada formando parte de grupos ativos, onde se expressam idéias e se tomam decisões, incluindo as opiniões de crianças, adolescentes e adultos. Isso significa não ser simples espectador, senão atores do próprio futuro, reconhecendo e respeitando a liderança das crianças e dos adolescentes, e propondo estratégias para uma maior participação de todos e todas. Isso implica também em comprometer-se com a realidade, cumprindo um papel multiplicador e promovendo a participação do restante da sociedade” .

A participação é um dos eixos fundamentais para promover o protagonismo da infância. Desde o paradigma do protagonismo infantil, fala-se na participação que reconhece a infância em sua capacidade e possibilidade de perceber, interpretar, analisar, questionar, propor e agir em seu ambiente social, comunitário e familiar.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Participação como exercício do poder compartilhado


O enfoque do exercício do poder compartilhado surge como resultado do estudo para a elaboração de indicadores e instrumentos para analizar o componente de participação de crianças em projetos sociais, realizado em 2003, por incumbência de Save the Children Suécia.

De acordo com o citado estudo, o tema do exercício do poder se vincula estreitamente com as relações que se criam, entre adultos e crianças, em todo o processo de participação:

“Um elemento central e crucial em todo o processo de participação das crianças é constituido pela relação que se estabelece entre o adulto (com suas diferentes denominações: assessor, acompanhante, colaborador, etc.) e as próprias crianças, das experiências ou dos projetos. Esta é uma questão fundamental a ser levada em conta, uma vez que em base ao tipo e a qualidade da relação entre estes dois atores, é que vão ser geradas as diferentes formas e enfoques de participação infantil” .

O tema do exercício do poder se vincula estreitamente com as características e matizes das relações que se criam entre adultos e crianças, em processos de participação. Por isso, para tratar do assunto que chamaremos de relações de poder compartilhadas, é preciso encarar tais relações de uma maneira crítica.

“… a participação infantil constitui o exercício do poder pelas crianças, sempre que sua capacidade de agir por iniciativa própria esteja limitada pela ação e palavra do mundo adulto”.

As limitações que o mundo adulto põe para o exercício do poder das crianças, muitas vezes têm a sua origem em preconceitos baseados nas diferenças de idade, que subavaliam as condições e capacidades de participação, e a limitam a uma simples emissão de opiniões, que depois não chegam a ser incorporadas à tomada de decisões.

“Visto de outro modo, o direito a participar é vulnerabilizado pelas relações assimétricas de poder estabelecidas pelos adultos. Em tal sentido, a participação como exercício do poder implica numa posição das crianças nas relações com outros…” .

Se o poder é definido como a possibilidade de influir para efetuar alterações, é evidente que as crianças e os adolescentes ainda permanecem afastados das tomadas de decisões, em aspectos e temas relacionados diretamente com suas vidas e interesses primordiais.

Isso exige um reposicionamento de crianças e adolescentes com relação aos adultos, de tal forma que possam expressar livremente suas opiniões, pensamentos, sentimentos e necessidades; e que ao mesmo tempo, essas expressões e opiniões sejam ouvidas, respeitadas e incorporadas às decisões que forem tomadas.

A participação como exercício do poder de crianças e adolescentes deve não só ser considerada um compromisso dos adultos de ceder parte do poder, que custa tanto compartilhar; implica também na responsabilidade de construir, de maneira conjunta, processos, condições e ferramentas, que favoreçam e promovam este exercício de poder compartilhado.

Além disso, esta construção deve estar baseada em relações democráticas entre sujeitos com iguais direitos e, ao mesmo tempo, com distintos papéis e responsabilidades.

Uma perspectiva de poder compartilhado exige também uma leitura e aplicação responsável dos artigos referidos à participação das crianças e estabelecidos pela Convenção dos Direitos da Criança:

“Isso não significa que os adultos, apoiando-se na CDN, dêem às crianças uma responsabilidade grande demais. As crianças não devem sentir-se obrigadas a adotar uma postura em assuntos nos quais não possam prever as conseqüências. Quando se lê a CDN em sua totalidade, com os distintos artigos relacionados entre si, ressalta o princípio do direito do próprio bem da criança. Os adultos não podem declinar a sua responsabilidade pela tomada de decisões, nem designá-las à criança” .

Por tudo isso, um enfoque na participação entendida desde a perspectiva do poder para influir significaria:

“O exercício do poder que as crianças possuam para fazer que suas opiniões sejam, seriamente, tomadas em consideração, e para assumir responsavelmente, de acordo com o seu grau de maduridade e desenvolvimento, decisões compartilhadas com outros, nos assuntos que atinjam suas vidas e a de sua comunidade“ .

Isso exige que encaremos e revisemos antigos paradigmas e concepções sobre a infância. Transformar as relações de poder e construir uma nova forma compartilha-lo exigiria o reconhecimento das crianças como sujeitos de direitos e o respeito à participação como um direito amplamente estabelecido na Convenção pelos Direitos da Criança.


Texto de Patrícia Horna Castro: Promovendo a participação de crianzas e adolescentes em eventos conjuntos com adultos. Save the Children Suécia.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Infância & Ação: Uma experiência de Participação Infantil





O Infância & Ação, projeto de estímulo a participação infantil, desenvolvido pela Rede Sou de Atitude, surge para dar voz às crianças e deixar o portal também com a cara delas. 

A partir do desenvolvimento do projeto, percebemos outras questões que hoje consideramos centrais: os adultos precisam criar ambiência para a participação, ver as crianças como capazes de compreender criticamente a sua realidade e reconhecer a participação como direito. Assuntos antes distanciados das crianças pela velha crença “criança não sabe de nada, o adulto é quem sabe de tudo e toma as decisões” vêm sendo questionados. Os rótulos atribuídos às crianças como “todas são iguais, desprovidas de conhecimento, inocentes e frágeis”, inibiram todo e qualquer tipo de participação, ou seja, geraram os filhos do silêncio. De fato, ninguém participa ou contribui com algo se não o entende. O Sou de Atitude traz a proposta de estimular as crianças para participarem influenciando de forma positiva nos espaços dos quais fazem parte - escola, comunidade, família e grupos religiosos. 

Entendemos que participar é um direito. Lutamos para a quebra dos paradigmas criados sobre as crianças. A nossa experiência mostra a capacidade de influência das crianças na sociedade. Claro que existem limitações, afinal de contas são crianças, estão em desenvolvimento e precisam de apoio do adulto, seu nível de amadurecimento, experiência e entendimento é diferenciado. Isso não significa que não devemos levar em consideração o que expressam, suas falas precisam ser contextualizadas de acordo com sua forma de ver o mundo.

Imagine uma criança discutindo Estatuto, direitos e deveres, entendendo a importância dos três poderes, conselhos de direitos, o porquê da arrecadação de impostos. É isso mesmo. O Sou de Atitude vem desenvolvendo atividades utilizando linguagem lúdica, para que as crianças fiquem a par de seus direitos e deveres e possam opinar sobre os assuntos que lhes digam respeito, deixando de ser silenciadas.

Boas Vindas

Olá companheira, companheiro participante da formação à distância!

Essa é a primeira postagem que abre a formação e dá boas vindas a todos que querem pensar um pouco sobre como nós, jovens e adultos podemos contribuir para que meninos e meninas possam participar dos espaços sociais. 

Nesses encontros virtuais, nós compartilharemos um pouco da experiência do Núcleo Nacional da Rede Sou de Atitude e do Projeto Escola Interativa, da CIPÒ Comunicação Interativa com práticas de estímulo à participação infantil. 

A formação terá a duração de quatro semanas, nas quais discutiremos quatro módulos 1. Direito à Participação, 2. Cultura do Brincar, 3. Educação e Comunicação e 4. Diversidade na escola.

Nós trocaremos informações aqui e na lista de discussão, buscando ao máximo interatividade e troca de experiências. Assim, a riqueza da formação se dá com a participação de todos.

Dado o pontapé inicial para a nossa formação.

Um grande abraço,
Equipe Núcleo Nacional RSA e Escola Interativa