terça-feira, 30 de setembro de 2008

Participação como exercício do poder compartilhado


O enfoque do exercício do poder compartilhado surge como resultado do estudo para a elaboração de indicadores e instrumentos para analizar o componente de participação de crianças em projetos sociais, realizado em 2003, por incumbência de Save the Children Suécia.

De acordo com o citado estudo, o tema do exercício do poder se vincula estreitamente com as relações que se criam, entre adultos e crianças, em todo o processo de participação:

“Um elemento central e crucial em todo o processo de participação das crianças é constituido pela relação que se estabelece entre o adulto (com suas diferentes denominações: assessor, acompanhante, colaborador, etc.) e as próprias crianças, das experiências ou dos projetos. Esta é uma questão fundamental a ser levada em conta, uma vez que em base ao tipo e a qualidade da relação entre estes dois atores, é que vão ser geradas as diferentes formas e enfoques de participação infantil” .

O tema do exercício do poder se vincula estreitamente com as características e matizes das relações que se criam entre adultos e crianças, em processos de participação. Por isso, para tratar do assunto que chamaremos de relações de poder compartilhadas, é preciso encarar tais relações de uma maneira crítica.

“… a participação infantil constitui o exercício do poder pelas crianças, sempre que sua capacidade de agir por iniciativa própria esteja limitada pela ação e palavra do mundo adulto”.

As limitações que o mundo adulto põe para o exercício do poder das crianças, muitas vezes têm a sua origem em preconceitos baseados nas diferenças de idade, que subavaliam as condições e capacidades de participação, e a limitam a uma simples emissão de opiniões, que depois não chegam a ser incorporadas à tomada de decisões.

“Visto de outro modo, o direito a participar é vulnerabilizado pelas relações assimétricas de poder estabelecidas pelos adultos. Em tal sentido, a participação como exercício do poder implica numa posição das crianças nas relações com outros…” .

Se o poder é definido como a possibilidade de influir para efetuar alterações, é evidente que as crianças e os adolescentes ainda permanecem afastados das tomadas de decisões, em aspectos e temas relacionados diretamente com suas vidas e interesses primordiais.

Isso exige um reposicionamento de crianças e adolescentes com relação aos adultos, de tal forma que possam expressar livremente suas opiniões, pensamentos, sentimentos e necessidades; e que ao mesmo tempo, essas expressões e opiniões sejam ouvidas, respeitadas e incorporadas às decisões que forem tomadas.

A participação como exercício do poder de crianças e adolescentes deve não só ser considerada um compromisso dos adultos de ceder parte do poder, que custa tanto compartilhar; implica também na responsabilidade de construir, de maneira conjunta, processos, condições e ferramentas, que favoreçam e promovam este exercício de poder compartilhado.

Além disso, esta construção deve estar baseada em relações democráticas entre sujeitos com iguais direitos e, ao mesmo tempo, com distintos papéis e responsabilidades.

Uma perspectiva de poder compartilhado exige também uma leitura e aplicação responsável dos artigos referidos à participação das crianças e estabelecidos pela Convenção dos Direitos da Criança:

“Isso não significa que os adultos, apoiando-se na CDN, dêem às crianças uma responsabilidade grande demais. As crianças não devem sentir-se obrigadas a adotar uma postura em assuntos nos quais não possam prever as conseqüências. Quando se lê a CDN em sua totalidade, com os distintos artigos relacionados entre si, ressalta o princípio do direito do próprio bem da criança. Os adultos não podem declinar a sua responsabilidade pela tomada de decisões, nem designá-las à criança” .

Por tudo isso, um enfoque na participação entendida desde a perspectiva do poder para influir significaria:

“O exercício do poder que as crianças possuam para fazer que suas opiniões sejam, seriamente, tomadas em consideração, e para assumir responsavelmente, de acordo com o seu grau de maduridade e desenvolvimento, decisões compartilhadas com outros, nos assuntos que atinjam suas vidas e a de sua comunidade“ .

Isso exige que encaremos e revisemos antigos paradigmas e concepções sobre a infância. Transformar as relações de poder e construir uma nova forma compartilha-lo exigiria o reconhecimento das crianças como sujeitos de direitos e o respeito à participação como um direito amplamente estabelecido na Convenção pelos Direitos da Criança.


Texto de Patrícia Horna Castro: Promovendo a participação de crianzas e adolescentes em eventos conjuntos com adultos. Save the Children Suécia.

Um comentário:

Coletivo de Jovens Feministas disse...

O texto é muito bom e nos apresenta informações sobre como utilizamos do poder nas relações. A criança tida socialmente como ser em formação, não completo e que precisa de acompanhamento e por isso sofre a opressão por estar em um estado tido socialmente inferior aos "adultos" e "jovens". Apesar de ser um texto voltado para esta problema com crianças é bom identificar semelhanças no discusso que existe hoje nas construção de Políticas Oúblicas de Juventude, que identifica que os adls e jovens como em formação, que necessitam de cuidades e controles especiais e que dialogam muito pouco com conceito de autonomia destes atores.

Jaqueline Soares - Recife