terça-feira, 4 de novembro de 2008

Princípios e bases da Educação pela Comunicação

A metodologia se estrutura num corpo integrado por onze princípios fundamentais: integralidade, observação crítica e experimentação, qualidade, interatividade, inclusão, motivação, afetividade e cooperação, criatividade, protagonismo, intencionalidade, contextualização e sentido. Estas bases funcionam de forma transversal e interdependente.

* texto extraído do Guia de Educação pela Comunicação, em fase de redação e com lançamento previsto para 2009, pela CIPÒ Comunicação Interativa.

Horizontes da Educação pela Comunicação

A Educação pela Comunicação está fundamentada nos novos estudos da audiência, no sócio-construtivismo, na pedagogia crítica e nas novas maneiras de participação política e social.

É uma metodologia que:


* Enfatiza o aprender pelo fazer, através de processos e produtos: os processos de aprendizagem são dialógicos e os produtos são artefatos socialmente relevantes, que servem de mediadores na construção do conhecimento. Aprende-se fazendo/produzindo esses artefatos;

* Os papéis de educadores e educandos se transformam ao longo do processo, não estão pré-definidos, pré-fixados. As responsabilidades são compartilhadas durante todo o processo, mas não são simétricas (isto é, não são totalmente equivalentes). Educadores são “mais experientes” e, no início, criam as condições para que os educandos construam o conhecimento e, muitas vezes, orientam diretamente os educandos em ações conjuntas, mas os educadores também constroem novos conhecimentos e se desenvolvem no processo. Educandos são “novatos”, no início, mas podem tornar-se educadores mais adiante, multiplicando o processo em suas escolas e comunidades. Todos se transformam, participam e aprendem;

* A avaliação da aprendizagem ocorre ao longo de todo o processo e tem como finalidade ajudar/promover o desenvolvimento/aprendizagem do educando, dos educadores e da própria instituição. Os erros são incorporados ao processo de aprendizagem e servem para orientar ações futuras, tanto dos educandos, quanto dos educadores e da própria instituição. A principal avaliação é a que se dá no contexto das atividades de aprendizagem, no fazer cotidiano, no diálogo entre educadores e jovens;

A colaboração na construção do conhecimento gera “transformação da participação”, bem como a aquisição de habilidades e competências individuais. No decorrer do processo, os educandos participam, conquistam experiência e maturidade, assumem responsabilidades na condução das ações, na produção das peças/produtos/processos de comunicação e na disseminação dos mesmos.

* texto extraído do Guia de Educação pela Comunicação, em fase de redação e com lançamento previsto para 2009, pela CIPÒ Comunicação Interativa.

Como a educação pela comunicação promove a aprendizagem?

A Educação pela Comunicação rompe com a idéia de que a educação está a serviço e do lado do educador e não do educando. Esta proposta comunga das críticas fundamentadas pelo pensador Paulo Freire a chamada “educação bancária”. Aqui os educadores são responsáveis por preencher os educandos com conhecimento e informação, enquanto os alunos são meros receptores passivos. Já a perspectiva construtivista promove avanços ao considerar o educando como pólo ativo, sujeito que constrói o conhecimento e objetivo maior do processo educacional: é ele quem “aprende”. Esta jovem metodologia também bebe nos pensamentos de Piaget, que dá muita ênfase às ações realizadas no âmbito do sujeito, sobretudo processos cognitivos, intrínsecos de assimilação e acomodação do conhecimento.

Estas formas de pensar educação re-significam o papel do educador, que deve criar as condições necessárias para a aprendizagem. São facilitadores, são mediadores. De certa forma, esta postura ainda assim, pré-estabelece alguns papéis, na medida em quem aprende é o aluno e o professor é o facilitador. O que a Educação pela Comunicação propõe é algo a mais: os educadores e os alunos juntos no processo, todos constroem conhecimentos a partir da ação, a partir do fazer. Então, os educadores não estão apenas “criando as condições necessárias” ou “facilitando” a aprendizagem dos educandos. Eles estão aprendendo também, produzindo novos sentidos, co-criando, re-significando o que já sabiam, se reinventando, enfim.

A visão é de que existe uma comunidade de aprendizagem onde todos estão aprendendo e participando. Alguns assumem, em certos momentos, determinados papéis e os outros, assumem outros papéis. Mas estes papéis não são estanques. Tudo isso pode se inverter, porque todos estão colaborando, todos estão se desenvolvendo. Inicialmente, os educadores criar condições necessárias, mas nada impede dos educandos desenvolverem outras estruturas, o que confere a todos a possibilidade de transformarem seu entendimento, seus papéis e suas responsabilidades enquanto participam nesse processo.

Dentro da Educação pela Comunicação as hierarquias não são estanques. O aprendizado é horizontalizado, embora os papéis se modifiquem na medida em que a relação de educando e educador ganha maturidade, bem como o envolvimento com o processo de aprendizado. Nesta vivência educacional, ninguém detém o conhecimento acabado, nem educadores, nem educandos. O conhecimento não existe como um estado final pré-determinado, que os educadores já atingiram e onde os educandos têm que chegar. Não existe “instrução” no sentido tradicional, todos estão participando e se transformando à medida que participam das atividades/ações.

* texto extraído do Guia de Educação pela Comunicação, em fase de redação e com lançamento previsto para 2009, pela CIPÒ Comunicação Interativa.

Educação pela Comunicação: Nova Metodologia

Educandos com novos olhos para o mundo, compreendendo o contexto histórico em que está inserido e interagindo com ela de forma crítica. Esta é a essência da Educação pela Comunicação, metodologia que ainda não pode ser considerada uma pedagogia, pois ainda está consolidando seus conceitos e práticas, mas já pode ser entendida como uma nova perspectiva sobre o processo de ensino-aprendizagem, com a perspectiva de favorecer a construção de conhecimentos e o desenvolvimento de valores, atitudes e habilidades.

A Educação pela Comunicação envolve o educando na elaboração e disseminação de produtos comunicacionais com conteúdo sócio-educativo e contribui para que dêem sentido às informações que recebem. Ao final do processo, espera-se que os participantes tornem-se pessoas mais felizes, profissionais mais qualificados e cidadãos mais pró-ativos e empoderados.

Esta proposta está em consonância com várias iniciativas empreendidas em diferentes estados brasileiros e no mundo. Cada vez é mais freqüente encontrar produções realizadas por estudantes e educadores de peças de comunicação como jornais, programas de rádio, vídeos, sites na internet, fanzines (publicações baratas, fotocopiadas), histórias em quadrinhos, peças de teatro, arte, entre vários outros. Esta metodologia possui denominações distintas como "educomunicação”, “educação pela comunicação” ou “educação para comunicação”. Nos Estados Unidos surgiu nos últimos anos um termo que se aproxima muito dessa acepção: "media literacy", ou "alfabetização para a mídia".

O professor Ismar de Oliveira Soares, diretor do Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (NCE/ECA/USP)e o jornalista Fernando Rossetti, estudiosos do assunto, consideram que está surgindo um "novo campo discursivo", que reúne discursos de várias áreas já bem estabelecidas, como a Educação, a Comunicação e a Participação Social.

* texto extraído do Guia de Educação pela Comunicação, em fase de redação e com lançamento previsto para 2009, pela CIPÒ Comunicação Interativa.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O que é Educação Inclusiva ?

Profa. Dra. Leny Magalhães Mrech, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

1. Introdução

A chamada Educação Inclusiva teve início nos Estados Unidos através da Lei Pública 94.142, de 1975 e, atualmente, já se encontra na sua segunda década de implementação.

Há em todo Estados Unidos o estabelecimento de programas e projetos dedicados à Educação Inclusiva:

1) O departamento de Educação do Estado da Califórnia iniciou uma política de suporte às escolas inclusivas já implantadas;

2) O Vice- Presidente Al Gore criou uma Supervia de Informática direcionada à uma política de telecomunicações baseada na ampliação da rede de informações para todas as escolas, bibliotecas, hospitais e clínicas.
3) Há um cruzamento entre o movimento da Educação Inclusiva e a busca de uma escola de qualidade para todos;

4) Há propostas de modificações curriculares visando a implantação de programas mais adaptados às necessidades específicas das crianças portadoras de deficiência. Tendo sido dada uma ênfase especial no estabelecimento dos componentes de auto-determinação da criança portadora de deficiência. As equipes técnicas das escolas também sido trabalhadas para fornecer um atendimento mais adequado ao professor de classe comum;

5) Há o acompanhamento, através de estudos e pesquisas, a respeito dos sujeitos que passaram por um processo de educação inclusiva. Eles tem sido observados através da análise de sua rede de relações sociais, atividades de laser, formas de participação na comunidade, satisfação pessoal,etc. Um dos maiores estudos de follow-up é o da Universidade de Minnesota que apresenta um Estudo Nacional de Transição Longitudinal;

6) Também tem sido acompanhados os Serviços dos Programas de Educação que trabalham com a Educação Inclusiva;

7) Boa parte dos estados norteamericanos estão aplicando a Educação Inclusiva : Estado de New York, Estado de Massachussets, Estado de Minnesota, Estado de Daytona, Estado de Siracusa, Estado de West Virgínia, etc.

Fora dos Estados Unidos a situação também não é diferente. O mais conhecido centro de estudos a respeito de Educação Inclusiva é o CSIE( Centre for Studies on Inclusive Education ) da Comunidade Britânica, sediado em Bristol. É dele que tem partido os principais documentos a respeito da área da Educação Especial: 1. O CSIE - International Perspectives on Inclusion; 2. O Unesco Salamanca Statement(1994); o UN Convention on the Rights of the Child(1989); o UN Standard Rules on the Equalisation of Opportunities for Persons with Disabilities(1993).

Um dos documentos mais importantes atualmente é o Provision for Children with Special Educational Needs in the Asia Region que inclui os seguintes países: Bangladesh, Brunei, China, Hong Kong, Índia, Indonésia, Japão, Coréia, Malásia, Nepal, Paquistão, Filipinas, Singapura, Sri Lanka e Tailândia. Mas, há programas em todos os principais países do mundo: França, Inglaterra, Alemanha, México, Canadá, Itália, etc.

2. A Escola Inclusiva

Por EDUCAÇÃO INCLUSIVA SE ENTENDE O PROCESSO DE INCLUSÃO DOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS OU DE DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM NA REDE COMUM DE ENSINO EM TODOS OS SEUS GRAUS. 

Da pré-escola ao quarto grau. Através dela se privilegiam os projetos de escola, que apresenta as seguintes características:

1. Um direcionamento para a Comunidade - Na escola inclusiva o processo educativo é entendido como um processo social, onde todas as crianças portadoras de necessidades especiais e de distúrbios de aprendizagem têm o direito à escolarização o mais próximo possível do normal. O alvo a ser alcançado é a integração da criança portadora de deficiência na comunidade.

2. Vanguarda - Uma escola inclusiva é uma escola líder em relação às demais. Ela se apresenta como a vanguarda do processo educacional. O seu objetivo maior é fazer com que a escola atue através de todos os seus escalões para possibilitar a integração das crianças que dela fazem parte.

3. Altos Padrões - há em relação às escolas inclusivas altas expectativas de desempenho por parte de todas as crianças envolvidas. O objetivo é fazer com que as crianças atinjam o seu potencial máximo. O processo deverá ser dosado às necessidades de cada criança.

4. Colaboração e cooperação - há um privilegiamento das relações sociais entre todos os participantes da escola, tendo em vista a criação de uma rede de auto-ajuda.

5. Mudando papéis e responsabilidades - A escola inclusiva muda os papéis tradicionais dos professores e da equipe técnica da escola. Os professores tornam-se mais próximos dos alunos, na captação das suas maiores dificuldades. O suporte aos professores da classe comum é essencial, para o bom andamento do processo de ensino-aprendizagem.

6. Estabelecimento de uma infraestrutura de serviços - gradativamente a escola inclusiva irá criando uma rede de suporte para superação das suas maiores dificuldades. A escola inclusiva é uma escola integrada à sua comunidade.

7. Parceria com os pais - os pais são os parceiros essenciais no processo de inclusão da criança na escola.

8. Ambientes educacionais flexíveis - os ambientes educacionais tem que visar o processo de ensino-aprendizagem do aluno.

9. Estratégias baseadas em pesquisas - as modificações na escola deverão ser introduzidas a partir das discussões com a equipe técnica, os alunos , pais e professores.

10. Estabelecimento de novas formas de avaliação - os critérios de avaliação antigos deverão ser mudados para atender às necessidades dos alunos portadores de deficiência.

11. Acesso - o acesso físico à escola deverá ser facilitado aos indivíduos portadores de deficiência.

12. Continuidade no desenvolvimento profissional da equipe técnica - os participantes da escola inclusiva deverão procurar dar continuidade aos seus estudos, aprofundando-os.


3. O estabelecimento dos suportes técnicos

Deverão ser privilegiados os seguintes aspectos na montagem de uma política educacional de implantação da chamada escola inclusiva:

1. Desenvolvimento de políticas distritais de suporte às escolas inclusivas;

2. Assegurar que a equipe técnica que se dedica ao projeto tenha condições adequadas de trabalho.

3. Monitorar constantemente o projeto dando suporte técnico aos participantes, pessoal da escola e público em geral.

4. Assistir as escolas para a obtenção dos recursos necessários à implementação do projeto.

5. Aconselhar aos membros da equipe a desenvolver novos papéis para si mesmos e os demais profissionais no sentido de ampliar o escopo da educação inclusiva.

6. Auxiliar a criar novas formas de estruturar o processo de ensino-aprendizagem mais direcionado às necessidades dos alunos.

7. Oferecer oportunidades de desenvolvimento aos membros participantes do projeto através de grupos de estudos, cursos, etc.

8. Fornecer aos professores de classe comum informações apropriadas a respeito das dificuldades da criança, dos seus processos de aprendizagem, do seu desenvolvimento social e individual.

9. Fazer com que os professores entendam a necessidade de ir além dos limites que as crianças se colocam, no sentido de levá-las a alcançar o máximo da sua potencialidade.

10. Em escolas onde os profissionais tem atuado de forma irresponsável, propiciar formas mais adequadas de trabalho. Algumas delas podem levar à punição dos procedimentos injustos.

11. Propiciar aos professores novas alternativas no sentido de implementar formas mais adequadas de trabalho.

4.O conceito de Inclusão

A inclusão é :

- atender aos estudantes portadores de necessidades especiais na vizinhanças da sua residência.

- propiciar a ampliação do acesso destes alunos às classes comuns.

- propiciar aos professores da classe comum um suporte técnico.

- perceber que as crianças podem aprender juntas, embora tendo objetivos e processos diferentes

- levar os professores a estabelecer formas criativas de atuação com as crianças portadoras de deficiência

- propiciar um atendimento integrado ao professor de classe comum

5. O conceito de inclusão não é

- levar crianças às classes comuns sem o acompanhamento do professor especializado

- ignorar as necessidades específicas da criança

- fazer as crianças seguirem um processo único de desenvolvimento, ao mesmo tempo e para todas as idades

- extinguir o atendimento de educação especial antes do tempo

- esperar que os professores de classe regular ensinem as crianças portadoras de necessidades especiais sem um suporte técnico.

6. Diferenças entre o princípio da normalização e da inclusão

O princípio da normalização diz respeito a uma colocação seletiva do indivíduo portador de necessidade especial na classe comum. Neste caso, o professor de classe comum não recebe um suporte do professor da área de educação especial. Os estudantes do processo de normalização precisam demonstrar que são capazes de permanecer na classe comum.

O processo de inclusão se refere a um processo educacional que visa estender ao máximo a capacidade da criança portadora de deficiência na escola e na classe regular. Envolve fornecer o suporte de serviços da área de Educação Especial através dos seus profissionais. A inclusão é um processo constante que precisa ser continuamente revisto.

Texto publicado no site www.inclusao.com.br/index_.htm

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A diversidade humana na escola: reconhecimento, multiculturalismo e tolerância

Walter Praxedes

Ao tratar da diversidade humana na escola podemos ter como parâmetro a necessidade de reconhecimento que caracteriza os seres humanos.

Para interpretarmos quem somos como coletividade, ou quem sou como indivíduo, dependemos do reconhecimento que nos é dado pelos outros. “Ninguém pode edificar a sua própria identidade independentemente das identificações que os outros fazem dele”, nos ensina Habermas (1983: 22).

O reconhecimento pelos outros é uma necessidade humana, já que o ser humano é um ser que só existe através da vida social.

Como também nos ensina Charles Taylor (1994: 58), “um indivíduo ou um grupo de pessoas podem sofrer um verdadeiro dano, uma autêntica deformação se a gente ou a sociedade que os rodeiam lhes mostram como reflexo, uma imagem limitada, degradante, depreciada sobre ele.”

Um falso reconhecimento é uma forma de opressão. A imagem que construímos muitas vezes sobre os portadores de deficiências e grupos subalternos, pobres, negros, prostitutas, homossexuais, é deprimente e humilhante para estes e causa-lhes sofrimento e humilhação, ainda mais por que tais representações depreciativas são construídas quase sempre para a legitimação da exclusão social e política dos grupos discriminados.

Para que haja respeito à diversidade na escola é necessário que todos sejam reconhecidos como iguais em dignidade e em direito. Mas para não nos restringirmos a uma concepção liberal de reconhecimento, devemos também questionar os mecanismos sociais, como a propriedade, e os mecanismos políticos, como a concentração do poder, que hierarquizam os indivíduos diferentes em superiores e dominantes, e em inferiores e subalternos.

Em outras palavras, ao considerarmos que os seres humanos dependem do reconhecimento que lhes é dado, estamos reconhecendo que a identidade do ser humano não é inata ou pré-determinada, e isso nos torna mais críticos e reflexivos sobre a maneira como estamos contribuindo para a formação das identidades dos nossos alunos.

Como ainda nos ensina Taylor (1994: 58), “a projeção sobre o outro de uma imagem inferior ou humilhante pode deformar e oprimir até o ponto em que essa imagem seja internalizada”. E não “dar um reconhecimento igualitário a alguém pode ser uma forma de opressão”.

Porém, quando afirmamos que “todos os seres humanos são igualmente dignos de respeito” (Taylor, 1994: 65), isso não pode significar que devemos deixar de considerar as inúmeras formas de diferenciação que existem entre os indivíduos e grupos.

Devemos fornecer o apoio e os recursos necessários para que não haja assimetria, desigualdade nas oportunidades e no acesso aos recursos. De novo Taylor (1994: 64): “Para aqueles que têm desvantagens ou mais necessidades é necessário que sejam destinados maiores recursos ou direitos do que para os demais”.


Walter Praxedes é doutor em Educação pela Educação pela Universidade de São Paulo e graduado em Ciências Sociais na mesma instituição.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Brincar e trabalhar: Jogo e trabalho


por Heloysa Dantas

Brincar e jogar: dois termos distintos em português e fundidos nas línguas de cuja cultura somos devedores: o francês (jouer) e o inglês (play). Por causa disto, frequentemente desperdiçamos a diferenciação de ordem psicogenética que a nossa língua nos permite: brincar é anterior a jogar, conduta social que supõe regras. Brincar é forma mais livre e individual, que designa as formas mais primitivas de exercício funcional.

O termo “lúdico” abrange os dois: a atividade individual e livre e a coletiva e regrada. O que chama a atenção, quando pedimos a profissionais de educação infantil sinônimos para ele, é a tendência a oferecer “prazeroso” e nunca “livre”. “Ludicamente” é visto como prazerosamente, alegremente, e não “livremente”. Isto, que considero uma distorção de conseqüências infelizes, consiste em perceber o efeito e não a causa: o prazer é o resultado do caráter livre, gratuito, e pode associar-se a qualquer atividade; inversamente, a imposição pode retirar o prazer também a qualquer uma. Parece impossível definir substancialmente o que é brincar: a natureza do compromisso com que é realizada transforma-a sutilmente me trabalho.

Resulta daí um paradoxo que pode levar os próprios defensores da pedagogia do brinquedo a traírem seus próprios fins, quando o adulto se julga autorizado a impor atividades, por ele consideradas prazerosas. Os “convites” para participar de uma “brincadeira” são frequentemente mente convocações que não prevêem a recusa.

Parece pois necessário ao pensar a educação pelo jogo, refletir simultaneamente sobre a educação pelo trabalho, enfrentando o preconceito que entre nós, por graves razões sociais, separa as idéias de infância de trabalho.

Os fantasmas da exploração infantil e da conseqüente perda direito à educação escolar nos tem levado a deixar de lado as belas concepções de educadores como Freinet, Dewey, Makarenko, para os quais o trabalho, dentro do ambiente escolar, pode constituir-se em poderoso instrumento educativo.

Este esquecimento tem um efeito perverso: obrigada a absorver toda a tarefa da educação infantil, a pedagogia do jogo se vê ameaçada de perder o que tem de essencial, ameaçada por práticas utilitaristas e autoritárias. A oferta do prazer parece construir nova justificativa para a imposição adulta, caracterizando a nova face, insidiosa e disfarçada do autoritarismo.

É claro que substituir “prazer” por “liberdade” não facilita em nada a tarefa de definir o lúdico. Nos dicionários filosóficos, liberdade confina com “onipotência”, por uma lado, e com “consciência”, racionalidade, por outro, tornando inviável qualquer tentativa de entender a noção em sentido absoluto. Se modestamente nos contentarmos em emprega-la com o sentido de alguma possibilidade de escolha, teremos que nos referir a graus de liberdade que começam com a possibilidade de recusar o convite adulto, e se ampliam na medida em que se multiplicam as alternativas de atividade. Em sala vazia, uma criança pode exercer atividade livre; sua liberdade cresce na medida em que lhe são oferecidas possibilidades e ação, isto é, opções. Neste sentido, a liberdade da criança não implica na demissão do adulto: pelo contrário, expandi-la implica no aumento das ofertas adequadas às suas competências em cada momento do desenvolvimento. Povoar o espaço com jogos viáveis, passiveis de utilização autônoma, requer um alto grau de conhecimento psicogenético.

Não estou afirmando que nenhuma atividade deve ser imposta: o equilíbrio entre o livre e o imposto precisa ser encontrado. Apenas digo que a atividade imposta é trabalho, o que resulta simultaneamente em duas exigências: a de não descaracterizar, poluir mesmo, o clicam lúdico com insinceridade e a coação, e a de enfrentar a necessidade de incluir desde o início, a atividade instrumental e produtiva, ao lado da atividade lúdica, na educação. A dialética do jogo-trabalho é indispensável à saúde de ambas as práticas: pode resgatar a liberdade do jogo e o prazer do trabalho. Como sempre, as próprias crianças sinalizam isto ao adulto sensível: não é rara a experiência de, ao fabricar, com elas, o material para a realização de um jogo, vê-las mais interessadas na produção do que na sua utilização posterior.

Entre a atividade lúdica e a atividade produtiva parece haver continuidade. Examina-las em movimento evolutivo, é, pois, interessante. O recurso à psicogênese é um grande auxílio na compreensão dos fenômenos psíquicos: examinar sua origem e evolução esclarece também seu destino.

* extraído do livro Brincar e suas teorias, organizado por Tizuko Morchida Kishimoto, da Piorneira - Thomson Learning.
**ilustração de Vânia Medeiros.